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Lifestyle

10 de Março de 2020

Sobre o consumo e a felicidade

O consumo já é um fato tão estabelecido na sociedade que existe, há décadas, o Dia Mundial do Consumidor. Para falar sobre a relação entre essa atividade econômica e a felicidade, conversamos com Antoine Abed. Fundador do Instituto Dignidade, tendo atuado como professor voluntário em países africanos, lançou recentemente o livro "Ensaios Sobre a Crise da Felicidade". Confira a entrevista.

 

Foto: Divulgação/Antoine AbedFoto: Divulgação/Antoine Abed
O escritor defende que o consumismo é uma resposta para as angústias da sociedade atual
 

Pergunta: Dia 15 é o Dia do Consumidor e seu livro trata das frustrações oriundas do consumismo. Como criar uma relação equilibrada com nossas próprias demandas?

Antoine Abed: Penso que o equilíbrio é a palavra-chave. Acredito que, até certo ponto, é natural o indivíduo sentir prazer com alguma compra que fez, porém, não pode achar que esse prazer momentâneo corresponde à felicidade. Querer comprar e obter objetos que verdadeiramente necessitamos, é natural, o problema é o exagero.

 

P: Em que momento, no processo histórico, o consumismo ocupou este espaço de afeto e realização pessoal no senso comum da sociedade contemporânea?

AA: Penso que esse processo começou quando perdemos nossas identidades. Bauman afirmou que estamos na passagem da modernidade sólida para a modernidade líquida. Para entender a modernidade líquida, é necessário entender, em primeiro lugar, a modernidade sólida, que é marcada por laços familiares e comunidades tradicionais. Na modernidade sólida, as perspectivas duradouras de estado, identidades sociais, trabalho e entendimento clássico de família traziam a sensação de segurança, pois tais valores se transformavam em ritmos lentos. Na modernidade líquida, Bauman destaca a liquefação das formas sociais. Agora, não é fixa em um determinado espaço ou tempo. Hoje buscamos experimentar o novo. Manter uma forma fixa como era antigamente não é mais um objetivo. Com a perda da identidade, o indivíduo cria uma cultura baseada no consumo de produtos aleatórios e na ostentação de uma vida "bem sucedida" relacionada com sua capacidade de compra. Passamos a buscar objetos para suprir alguma carência emocional.

 

P: É possível alcançar a realização plena, indo sempre de encontro às correntes de mercado que comandam as nações? Esse contrafluxo, assim como o consumo desenfreado, também não leva a uma frustração/cansaço a longo prazo?

AA: Não acredito em realização plena, pois a satisfação do indivíduo tem prazo de validade, mesmo que seja grandiosa. Sobre o consumo desenfreado, penso que existem vários níveis de consumo, mas, se estamos tratando de um tipo de comportamento compulsivo, podemos considerar como enfermidade, um sério problema nos dias atuais.

 

P: Existem correntes de pensamento voltando seu olhar para as cadeias produtivas, aos processos que envolvem os produtos e seus atores, humanizando as manufaturas e levando o consumidor a refletir e a valorizar o ciclo completo de um objeto adquirido. Esta seria a saída para uma nova compreensão do consumo?

AA: Penso que esta é uma forma de marketing para destacar mais um produto frente a tantos outros nas prateleiras das lojas. A competitividade do mercado faz com que tenhamos que enaltecer algum diferencial para, assim, chamar a atenção dos compradores. Eu não gosto da ideia de se controlar o mercado. Ele deve ser livre para ser criativo e inovar sempre, salvo quando estamos falando de produtos sabidamente nocivos à saúde humana. Sobre as estratégias, tenho que voltar a citar Bauman, onde diz que a modernidade líquida em que vivemos fez o indivíduo perder a noção de identidade. Agora somos fluidos, desejamos experimentar o novo e o duradouro não é mais um valor a ser buscado. Sabendo dessa nova forma de comportamento humano, as empresas estudaram maneiras de incorporar nos produtos estilos de vida prometidos. Por exemplo, se o leitor estiver na faixa dos +40, irá se lembrar das propagandas do cigarro Marlboro, quando um cawboy viril e altamente sedutor lhe chama para participar do "mundo de Marlboro". Porém, se estiver na faixa dos -40, podemos lembrar das enormes filas de jovens em frente às lojas da Apple a fim de trocar seu Iphone, que ainda funciona, por outro, pelo simples fato de renovar o seu comprometimento com a marca da maçã, demonstrando que ele pertence a esse grupo de indivíduos.

 

P: Existe felicidade? Onde ela está?

AA: Claro que sim! Em primeiro lugar, o ser humano precisa ter consciência sobre o que lhe faz feliz. Cada um de nós deve se perguntar e descobrir o que eleva a sua potência de agir. Sem copiar modelos prontos, cada indivíduo deve se autoconhecer para quando a oportunidade aparecer, aproveitar ao máximo esse instante. Lembrando que a felicidade não se compra em shoppings, ela está nas pequenas coisas.